sábado, 20 de fevereiro de 2010

II capítulo - PIETRO

I – Escola José Gonçalves de Albuquerque

Usei uma camiseta branca com uma flor bordada pela minha mãe, um jeans baixo, e meu velho e bom tênis. Meu cabelo ralo sempre preso, e a mochila nova que eu comprei quando ainda morava na cidade, estava com um caderno de 12 matérias, meu bom diário, e algumas canetas. Ainda não sabia qual o horário de aula, por isso não estava levando os livros. Tomei café na cozinha enquanto a dona Vânia preparava alguma coisa pro almoço. Eram 6:40 quando sai pela porta da cozinha, fui em direção ao carro. Minha mãe já estava lá dentro me esperando. Ouvi o Manoel chamar meu nome e virei pra vê o que era.

- Boa sorte no seu primeiro dia de aula.

– Vou precisar? – Perguntei apreensiva. Manoel já estava indo pra estufa. Seu sorriso hoje estava inacreditável. Foi andando comigo até o carro. Agora eu já estava mais acostumada com sua presença, então já soltava umas frases perdidas.

– Humm... Não. Espero que não – Ele sorriu – Algumas pessoas vão ser arrogantes com você, mas não se preocupe... Eu não entendi, mas já estava abrindo a porta do carro. Então acenei dando tchau, e entrei. Fiquei olhando o Manoel descer o jardim em direção a estufa enquanto minha mãe dava ré no carro.

Seguimos pela estrada cercada de árvores. Dessa vez não passamos pela vila, fomos por uma rua um pouco antes dela. Levou uns 20 minutos. Enfim chegamos.

Enorme! Na cidade não existia igual aquela. Eu sorri por dentro com meu pensamento ridículo de que seria embaixo de uma árvore, e riscaríamos em pedras. Tinha um gramado imenso, e lá encima do morrinho ficava a escola. Provavélmente tinha sido um casarão antes. Aparência de ter sido restaurado. Janelas perfeitas. Nossa, fiquei incredúla com a beleza do lugar. Tinha várias pessoas, sentadas no gramado, andando felizes, subindo as enormes escadas até a porta principal. Meus olhos viram tudo rápidamente, e os narizes também. Que graça há nisso! Meu narizes agora eram bem mais rápidos.

Minha mãe estava do meu lado me acordando.

- E então o que achou? – Fiquei calada. Ainda tentei falar, mas não consegui. Então ela riu e disse:

- Chama-se: Escola José Gonçalves de Albuquerque. Nome do seu tataravó. Ele morou ai e o pai dele também. Foi quando começaram a colher as flores e levar pra vender na cidade. Até criarem esse imenso comércio que temos hoje. – Ela deu uma pausa para vê como eu estava digerindo aquelas novidades. Então sorriu quando me viu de boca aberta olhando-a. Me abraçou.

– Querida, me desculpe nunca ter lhe dito sobre nossa família. Depois falamos sobre isso. –

Ouvi quando o sinal tocou.

- Quer que eu te acompanhe até lá encima? – É claro que eu não queria! Ela entendeu pelo meu olhar.

– Tudo Bem. Então, as 13:00 eu venho te buscar.– Me deu um beijo na testa e entrou no carro.

Meus pés estavam fincados no chão involutariamente. Inspirei fundo e dei o primeiro passo. Sentia todos me olhando, mas eu não consegui olhar dos lados para ter certeza disso. Segui em frente, quase que como um parasita andante. Subi cada degrau trêmula e infeliz. Se eu não me sentia confortável sentada numa mesa com minha mãe, e mais três pessoas desconhecidas, então como eu me sentiria em um lugar imenso cheio de pessoas sorridentes me olhando torto? Eu era uma pequena formiga cercada por enormes mamíferos. Sentei na carteira encostada a janela que dava pra uma paisagem linda, preenchida por montanhas. A sala estava tumultuada por menininhas se abraçando felizes, e menininhos conversando em voz alta. Eu estava com as mãos juntas em um sinal de nervosismo quando olhei pra trás devagar, e notei uma garota ruiva olhando pra mim. Ela não tinha vergonha de me olhar! Não disfarçava como os outros, ao contrário, me olhava prontamente. Cirrando os olhos com curiosidade, como quem tenta descobrir quem eu sou. Quando bati os olhos nos dela, eu virei rapidamente, despreparada. Ela tinha uma aparência forte, insondável. Um ruivo intenso como fogo, olhos azuis como o céu ao meio-dia, a pele limpa e branca perfeita. Com o rabo dos olhos notei que ela continuava olhando pra mim, e não falava com ninguém. Provavelmente devia ser novata como eu.

Então todos se sentaram, e a professora entrou na sala com um sorriso iluminado que ia de uma orelha a outra. Ela era nova, uns 30 anos, usava óculos, cabelo preso, e era tão baixinha mesmo de salto alto. Quando começou a falar achei graça no seu jeito. Simples, e tão simpática. Foi o mesmo lenga-lenga de todos os primeiros dias de aula. Finalmente chegou aquela hora que eu odiava. Cada um levantaria e diria seu nome a todos. Dessa vez foi acrescentado o que queriamos ser, e quantos anos tinhamos. Pensei por um instante: ‘O que eu quero ser?’ . Não prestei muita atenção na apresentação dos outros. Não queria mesmo fazer aquilo. Minha cabeça estava cheia de coisa quando Claúdia, a professora, apontou pra mim. Eu arregalei os olhos, e paralisei. Todos sem exceção me olhavam, concerteza sabiam quem eu era e estavam curiosos sobre meu jeito. Numa vila com menos de 2000 habitantes as noticias voam em fleche, então eles deviam saber sobre meu ateísmo, meus traumas, minha antipátia, e é claro o que provoquei na velha Lurdis que era conhecida por todos. Pensei em tudo isso em um segundo, calada olhando para Claúdia.

- Então querida pode se levantar e dizer seu nome? – Ela estava do meu lado, com seu cheiro de perfume cídrico quase me engasgando, e me olhando atenciosa. Eu olhei para tráz, e a garota ruiva estava com um sorrisinho cínico na minha direção. Ela parecia se comunicar comigo, eu podia jurar que a ouvir me xingar de covarde. Então levantei na mesma hora que esse pensamento me veio em mente. Virei para professora, e disse baixinho, quase que como um sussurro:

- Olga – Ela sorriu. Todos os olhares ainda estavam fixos na minha direção, continuei: - Tenho 17 anos, e quero ser... jornalista. – Como meu pai. Fiquei aliviada quando terminei de falar, e sentei. Bastou me encostar na cadeira e ouvi quando alguém disse: - Com uma mina de flores quer ser jornalista? – E todos riram. Riram pra valer. Eu procurei curiosa quem havia dito isso, mas não pude saber. Claúdia precisou bater palmas para retornar a atenção da sala. Mas todos eram muito disciplinados, e pararam de rir. Enfim quando todos os olhos pularam para o garoto sentado depois de mim, eu respirei aliviada e olhei pela janela, um vento fresco me acalmou.

Era vez da menina ruiva. Eu não me virei para olhá-la, seu timbre era forte e cheio de coragem.

– Meu nome é Ashyla. Eu tenho 17 anos e, bom... Ainda não sei o que quero ser! – Ela riu quando disse isso, fazendo todos rirem juntos. Tinha todo jeito de quem seria bastante popular. Eu desprezei o sorriso de todos.

Aquelas duas primeiras aulas passaram lentas e dolorosas pra mim, todos pareciam se divertir com a professora de biologia baixinha e simpática. Eu estava rabiscando poesias toscas no meu diário quando o próximo professor entrou na sala, chamava-se Paulo igual ao pai do Manoel, isso me fez lembrar dele. Paulo era professor de história. Eu gostava de história, me interessei pelo modo como ele falava sobre tal. Mergulhava de olhos fechados naqueles temas do feudalismo, iluminismo, e tudo mais. Era super empolgado, e passava essa energia a todos na sala.

As dez tocou para o intervalo de meia hora. A maioria saiu para lanchar, ou simplismente para sentar na grama do jardim e ficar conversando. Eu nem me movi da cadeira, estava debruçando minha cabeça sobre a mesa quando um menino magro com o cabelo meio assanhado propositalmente se aproximou:

- Oi. Tudo bem com você? – Ele era um desses malucos super simpáticos. Eu fiz que sim com a cabeça, reparando que ‘Ashyla’ observava da porta nossa conversa. Ele continuou:

- Então, vai ficar por aqui mesmo? Por que não sai um pouco? – Dessa vez não respondi nada, estava com os olhos estancados na menina ruiva e séria me encarando. Ele percebeu:

- AH, não liga pra ela! Faz isso com todas as novatas! Ashyla é assim mesmo, depois você se acostuma – Então deu uma pausa me olhando, reparei que ele estava nervoso. – Meu nome é Eduardo. Bom, eu to indo... tem certeza que vai ficar ai? – Novamente fiz que sim com a cabeça. Então ele saiu cumprimentando as outras pessoas na sala. Olhei na porta e Ashyla já não estava mais lá. Debruçei a cabeça sob a mesa, e dessa vez o tempo passou rapidinho até todos voltarem à sala.

Um homem gordo e desmantelado era o nosso professor de química, colocou todos os livros na mesa e escreveu no quadro: José Texeira – química. Todos estavam rindo da sua camisa xadrez, e a enorme mancha de desodorante que ele tinha embaixo do braço. Então ele começou a passar o assunto.

Ele não parecia mal-humorado, mas era sério e não puxou qualquer outro assunto que não tivesse haver com átomos e moléculas. Haviam passado uma hora e cinquenta minutos daquela aula entediante, senti uma mão tocando meu ombro e me virei. Um menino pálido e super tímido sentado atrás de mim, estava com um papél estendido na minha direção.

Oi. Meu nome é Vitor. Qual é mesmo o seu?” Virada pra frente lendo aquele papel eu tive uma imensa vontade de rir daquele gesto tímido e desengonçado do ‘Vitor’. Não era justo deixá-lo sem reposta.

“ Olga.” Eu risquei bem do lado, e devolvi depressa enquanto o professor estava virado pro quadro. Não demorou muito e ele me passou o papel, dessa vez pelo lado da janela, de forma que o professor não pudesse ver. “ Você é mesmo neta do Seu Zeca?” Dessa vez eu tive que olhá-lo com aquele ar interrogativo. Realmente eu não entendia a importância de ser neta dele, naquelas últimas horas isso parecia ser tudo o que eu era. Então respondi: “Sou. Mas qual o importância disso mesmo?” Eu estava virada para ver a expressão dele ao ler minha pergunta.

- Algum problema ai? – Virei-me rapidamente para frente. Texeira gostava que todos o olhassem enquanto explicava as coisas. Fiquei muda, então ele prosseguio com a explicação.

Tocou para próxima aula, e última. Uma mulher muito bonita, era a professora de inglês. Seu nome era Josefa, ela era doce e falava o inglês muito melhor que minhas antigas professoras da cidade. Enquanto ela falava sobre como a disciplina seria aplicada aquele ano, Vitor me passou o papelzinho.

“ Ora, tudo nesse lugar isolado e estúpido gira em torno da sua plantação de flores. Sem a estufa esse lugar não existiria... Mas esqueça isso. Está gostando da ilha das flores?”

Demorei um pouco para responder, Josefa havia ligado o som com uma músiquinha em inglês e agora estava distribuindo folhas com a letra da música. Todos teriamos que cantar, assim como no jardim de infância. Achei ridículo é claro, mas todos se divertiam, mesmo achando ridículo.

“ Não é ‘minha’ estufa! E a ilha das flores é um lugar bonito, embora seja entendiante e exaustivo”

Agora estavamos todos cantando. Na verdade eu apenas fingia que cantava pra não levar outra advertência. Mas apenas mexia meus lábios. Aquilo era deploravél, e eu não queria ter que fazer. Mas tarde, Vitor respondeu:

“ Se é entendiante como pode ser exaustivo?”

Eu virei indignada para ele. Ora, ele tinha entendido o que eu quis dizer! E agora ria para mim. Não lembrava qual sua idade que ele havia dito, mas concerteza era mais novo do que eu. Era pálido, tinha olhos castanhos, e cabelo também. Então o sinal tocou.

Estava descendo a escada para o térrio, em direção a escadaria até o estacionamento onde minha mãe provavelmente estaria me esperando. Tinha perdido o Vitor de vista, agora estava olhando para Ashyla indo bem na minha frente. Estava sozinha, e ouvia música no Ipod, aliás tinha recebido várias reclamações por causa dele durante as aulas. Ela aliviou o passo, então eu estava prestes a passar na sua frente quando senti uma mão segurar meu braço. Me virei assustada.

- É amiga do nerd Vitor? – Ahyla sorria me acompanhado, e agora andando ao meu lado. De alguma forma ela conseguia me deixar nervosa. Talvez por todo aquele jeito intimidador e espontâneo, mas eu sabia que lá dentro ela devia ser apenas mais uma pessoa triste no mundo. Ela continuou:

- Olha só, ele tá ali te esperando. – Lá estava Vitor parado na escadaria para o estacionamento, me olhando com um sorriso tímido e contente.

- Oi Olga... É... Quer companhia pra descer o monte everest? – Ele disse sorrindo para esconder o nervosismo. Tudo o que eu menos precisava era de um cara desse tipo no meu pé. Bom, mas relevei. Afinal de contas na outra escola todos evitavam meu jeito isquisito, e ele não parecia estar sendo simpático por interesse. Talvez ele me respondesse algumas perguntas.

Fiz que sim com a cabeça, e nós fomos descendo. Ashyla tinha sumido do meu lado sem que eu percebesse. Vitor estava com as mãos no bolso, e cabeça abaixada enquanto desciamos devagar.

- Você morava no Rio?

- sim.

- Nossa, meu sonho. Sempre quis conhecer o Rio de Janeiro. Sabe... Prédios, civilização!

Ele riu esperançoso. Eu o olhei com admiração pela primeira vez. Não era só um pirralho timido, mas era também um cara inteligente, com sonhos. Foi falando sobre ele até chegarmos lá embaixo. Seus pais moravam na vila, mas tinham uma oficina na estrada do Rio para ilha das flores, então passavam o dia inteiro fora. Ele ficava em casa com a irmã mais nova e a avó. Tinha 16 anos, e queria ser engenheiro. Permaneci calada até lá embaixo, minha mãe já estava lá me esperando.

- Então até amanhã!

- Não quer uma carona? – Não sei se ele me olhou surpreso pela carona, ou por eu ter falado. Mas aceitou. Então entramos no carro, e ele e minha mãe foram conversando até a estradinha perto da vila onde o Vitor desceu.

- Então fez um amigo. – Minha mãe estava orgulhosa. Mas acho que como eu fiquei calada olhando pela janela do carro, as esperanças dela logo se desfizeram.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

VII – O cheiro dos dias

Lentamente janeiro se foi. Fiquei presa no ‘casarão dos Gonçalves’ durante toda férias. Aceitavelmente não quiz mais voltar a vila, fiquei ainda mais estranha, se é que é possivel... Não falava, não sorria. Estava ali na varanda todos os fins de tarde, somente respirando.

Na madrugada do dia 02 de fevereiro o sonho repentino com a bruxa foi diferente, e pior. Havia uma luz enorme do meu lado, incandescente, não pude olhar nem enxergar um rosto, mas eu sabia que aquilo olhava para mim. Era pertubador. Acordei me revirando na cama, senti um calor de 40° e notei que pingava de suor. Estava sentada na cama ofegando como se tivesse corrido quilômetros de distância sem parar; Foi então que começou denovo aquele o perfume de rosas. Já faziam duas semanas sem senti-lo. Fechei os olhos me drogando daquela mágia irresistivel, e senti o cheiro ir direto no meu estômago como uma facada cortante. Corri no banheiro, e vomitei.

Estava doente ou louca?

Não sei, mas o fato é que o cheiro foi embora junto com a febre ali mesmo no vaso sanitário. Eu me arrastei pelo chão até a minha cama, totalmente mórbida. Dormi.

Era 02 de fevereiro, primeiro dia de aula. Eu estava anciosa por aquele dia, tinha desistido de ir com minha mãe até a escola, porque não queria ter que passar pela vila novamente. Mas Manoel havia me dito que a escola era agradável, com uma biblioteca grande, laboratório, enfim, tudo o que eu precisava para ocupar minha cabeça. Abri os olhos devagar, minha cabeça latejava com força, percebi que o colchão não estava fofo como de costume e me virei. Estava no chão! Que lastima, eu havia dormido no chão. Então me recordei da madrugada passada, provavelmente não tinha conseguido levantar para deitar na cama. Fiquei ali calculando toda essa façanha. O espaço entre a cômoda e a cama, era de uns 50 cetímetros, minha cabeça estava bem ali no meio, virada para a cômoda. Resolvi levantar depois de uns cinco minutos. Virei para a cama buscando apoio no colchão. Então eu vi:

- P I E T R O

Eu li, aquele rabiscado de criança no pé da cama com letras grandes, escritas com tinta azul. Eu estava me perguntando quem era Pietro, quando minha mãe entrou.

- O que você tá no fazendo no chão querida?

Olhei pra ela ainda pensando no nome estranho e falei:

- Eu cai da cama. Não foi muito confortante.

Demos um a pausa enquanto ela pensava em como eu tinha conseguido cair da cama; ela ia mandar que eu me arrumasse eu tive certeza, então antes que ela abrisse a boca eu falei:

- Quem é Pietro?

Ela me olhou confusa:

- Eu não sei... Porque?

Fiquei calada, mas ia apontar pro pé da cama. Minha mãe foi mais rápida, e antes que eu pudesse me mexer mandou que eu me arrumasse depressa, porque a escola ficava do outro lado da vila, tinhamos muito chão pela frente. E saiu.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

VI- A bruxa

Passaram-se os dias como água corrente deslizando enfurecidas ao mar. O grande mar aberto estava por vir. Onde eu ficaria sozinha e confusa no meio do tranquilo azul. Aquele lugar celestial era silencioso e farto, tinha tudo o que eu queria e precisava. Não me deu vontade de dormir, mas também não dava vontade de acordar. Eu só queria que passasse rápido, pra eu terminar o colégio e voltar pro meio de prédios e poluição que fazia eu morrer mais rápido, e ir pra perto do meu pai. Nada disso estaria acontecendo se ele estivesse vivo, ele jamais voltaria pra o fim do mundo. Mas a realidade estava aqui deitada na cama comigo!

Eram sete horas quando minha mãe veio me chamar, queria que eu fosse até a vila com ela, disse que eu precisava sair um pouco. Tudo bem, eu fui.

A vila era exatamente como eu imaginava, monotoma! Preenchida de velhos. Estavam em toda parte; Nos bancos da praça lendo jornal, nas barracas que vendiam cocada, nas vendinhas de frutas e verduras, e todos me olhavam torto. Deviam saber dos meus problemas com os seres humanos, ou então deduziram pela minha cara de poucos amigos. Já minha mãe não, era amistosa, conhecida por todos, onde chegava era cumprimentada muito bem. Senti a leve impressão de que todos a bajulavam, como se ela fosse uma grande celebridade, ou uma senhora de engenho, algo assim. E o mais engraçado era como a chamavam: Senhora Gonçalves. O nome do meu avô, ou melhor, o nome da nossa família.

Ela quiz entrar na igreja para cumprimentar o pastor. Na vila só havia uma igreja, era evangélica, todos tinham a mesma religião. Fiquei esperando sozinha enquanto ela falava com o pastor.

O sol estava escaldante o ar seco, parecia não chover a anos. Sentei ali mesmo na calçada da igreja, impaciente. Ouvi alguém dizer: - Então a solução chegou! É ela mesmo, e ele está com ela, eu sinto o cheiro... – Não olhei, apenas ouvi e ignorei. Mas a voz continuou a dizer coisa com coisa, e estava se aproximando. Olhei de lado e vi a aberração.

Tive um susto que me pos em pé em um milésimo de segundos. Aquela velha tinha uma verruga no nariz, cabelo grande e totalmente branco como a neve, ela estava com um lençol velho envolvendo-a como uma capa, e um cajado na mão. Minha nossa como fedia! Parecia ter saido do livro a convenção das bruxas. E seu olhar era tão profundo que parecia atravessar minha alma como uma espada; Eu estava com os pés entarrados no chão e qualquer palavra agressiva que queria sair da minha garganta simplesmente se trancou dentro de mim, como uma hipnóse eu a fitava. E ela continuou me rondando com os olhos, investigando cada centímetro. Parecia me conhecer, parecia estar me esperando.

- Vai sofrer como um cão sarneto sabia mocinha? Mas nunca vi tão forte. O que há com sua alma? Não consiguo enxergá-la. Porque há uma muralha em volta... – Agora seus olhos pararam no meu, e ela estava muito próxima. Não desviei meus olhos, mas sabia que as pessoas pararam para olhar, e sussurravam algo. Agora a voz dela aumentou, e declarou o que me pareceu a maior verdade de tudo:

- Mas elas caíram!-

Minha mãe estava saindo com o reverendo, e correu na minha direção.

- Vá embora Lurdis!!! Ela é só uma menina.

O Reverendo foi levando embora a velha bruxa que continuou gritando e predendo meus olhos aos dela mesmo de longe:

- Ele te protegerá incansavelmente como o rei e o seu tesouro, ele esteve te esperando. Você é a esperança! Restaurará as rosas, e elas ressuscitarão. Eu sei que pode sentir! Porque só você pode ver, e mais ninguém! Eles tentaram te enganar, como fizeram comigo... Mas não tema! Ele te protegerá.

E foi embora, levada por alguns homens chamados pelo pastor. Só depois que dobrou a rua e desapareceu, meus olhos cairam no chão, eu estava perplexa. O que foi isso? Milhares de perguntas surgiram rápido na minha mente. Minha mãe me abraçou aflita e disse que eu não devia me importar, Lurdis era uma velha doida. Morava nas ruas desde muito tempo, e anda dizendo que ‘vê coisas’. Ela sempre faz isso, não tem importância. Fiquei mais calma. O reverendo voltou.

- Desculpe pela Lurdis querida. Ela anda ainda mais atormentada esses dias do que de costume.

Agora estava sentada no gabinete do Pastor Paulo, ele devia ter por volta dos seus 34 anos, a mesma idade de minha mãe, era um homem bastante simpático, e inteligente, tinha uma resposta pra quase tudo, mais o que sempre me chamou atenção para ele foi o seu humanismo, sim ele era completamente humano, diferente dos pastores da minha cidade, todos arrogantes, cheios de si, se achavam o dono da verdade. Ele me trouxe um copo de água, eu não devia estar com a cara muito boa porque minha mãe parecia bastante aflita enquanto alisava sem parar a mecha presa do meu cabelo. O reverendo continuou dizendo que Lurdis sempre fazia isso com as pessoas, que eu não me importasse com isso. Não disse nada sobre Deus. Bom, todos já deviam saber. Eu devia ser a única descrente no lugar, e isso explicava os olhares tortos em minha direção.

Voltamos imediatamente pra casa, estava anoitecendo lentamente na estrada mas já fazia frio. Aquele lugar estoteante nos fazia torrar durante o dia, e nos transformava em pequenos cubos de gelo durante a noite; Mas quanto a isso eu já estava apta. O que ia fundo no meu coração era a falta de coisa que ocupasse minha mente. Sem nada pra pensar, só me vinha meu pai em mente. Seu rosto pálido no caixão, eu vi depressa porque logo me tiraram da sala escoltada. Meus gritos secos o chamando. Eu era tão nova, mas não chorei.

Quando deitei na cama e fechei os olhos de imediato dormir.

Naquela noite gelada e sem estrelas, sonhei com a velha bruxa. Um sonho onde as falas hipnotizantes se repetiam sem parar, e foram assim todas as suas noites até o fim daquele mês. Deitava, dormia e sonhava com a bruxa e sua ‘profecia’.

domingo, 18 de outubro de 2009

V- De flor em flor

O céu na ilha das flores era diferente dos outros céus. Era azul até demais, as nuvens pareciam de mentira. Fiquei um bom tempo olhando pra ela dá varanda assim que acordei. Quando entrei novamente no quarto, tudo estava com um cheiro irresistível de rosa. Não estava assim antes, fiquei confusa. Porque era essência de perfume, como se alguém estivesse ali naquele momento. E estava forte insuportavelmente. Entrei no banheiro, abri o guarda-roupa, olhei atrás das cortinas e nada. Começou então a ficar ainda mais sério, pois senti náusea com aquele cheiro penetrando no meu olfato. Sentei na cama com a mão na cabeça. Tudo começou a rodar e isso durou uns dez segundos. Até que aquele misterioso cheiro de rosa começou a ir embora, da mesma forma a náusea também. Deitei na cama com olhos fechados, e quando abri de novo já não havia nenhum vestígio do que aconteceu, assim como se o cheiro nunca tivesse estado ali. Olhei automaticamente pra varanda, e as cortinas estavam balançando com o vento, tudo ficou calmo, tinha algo diferente em mim. Só não sei te explicar direito o que era. Meu olhar pra varanda foi como quem procura por algo que tinha ido embora por ali, eu só não sei o quê ou quem. O perfume me deixou doente, mas era viciante e bateu uma enorme vontade de senti-lo mais uma vez. Engoli o seco, levantei atordoada e sai.
Minha mãe estava recebendo visita, foi uma surpresa tanto pra mim quanto para ela. Doutor Cleyton, o velho médico da cidade que cuidou de meu avô até o último suspiro, levantou-se pra me cumprimentar. Fiquei sem jeito e o olhei estranhando sua presença. Minha mãe disse quem era e pediu pra eu cumprimentá-lo, não quis deixar o pobre doutor com a mão estendida e apertei-a, depois dei as costas e sai. Deixando-o com uma péssima impressão de mim, assim ele já ia logo ficando informado sobre meu jeito todo especial de ser. Mas tarde fiquei sabendo que ele tinha ido dá as boas-vindas a minha mãe, falar da doença de meu avô, enfim, disse que ela podia contar com ele pro que precisasse. Era um homem de meia idade, elegante, e me pareceu bastante ríspido. Conhecia minha mãe também desde pequena, era antigo e respeitado na cidade, tinha dois filhos, Bianca e Bruno, e sugeriu a minha mãe de mandá-los passar aqui depois pra me conhecer, quem sabe assim eu me entrosasse mais... Estúpido! Estava presa em mim, e gostava da prisão, não queria sair com nenhum caipira babaca e sua irmã ingênua. Pelo menos era essa minha idéia dos jovens interiorizados. Mais tarde ele se foi, não ficou pro almoço estava só de passagem.
Passei toda manhã sentada na varanda olhando o lugar, muitas pessoas passaram, provavelmente indo pra estufa.
Eram mais ou menos umas onze horas quando o Manuel atravessou o portão principal carregando vários livros na mão, olhou pra mim e sorriu mesmo de longe. Virei o rosto fingindo que não o tinha visto. Mesmo disfarçando vi que ele estava vindo em direção a varanda pra falar comigo, levantei e já ia entrando quando ele falou:
- Oi, você já vai entrar? – Eu estava de costa, com a mão na maçaneta, fiquei surpresa por ele ter falado comigo. Naquela altura qualquer um já teria percebido que eu não tava a fim de papo. Tinha duas escolhas a fazer: entrar ou responder a pergunta. Normalmente eu iria ignorá-lo, mas nesse caso seria uma tremenda desfeita já que nem o conhecia. Também não chegava a ser tão mal-educada assim; Pensei rápido e decidi falar qualquer coisa e entrar logo. Ainda estava de costa quando murmurei um “Hãnm...”, ele disse subindo os degraus:
- Fui até a vila pegar uns livros na biblioteca, você gosta de ler? – Continuei calada e de costas. Agora os papéis estavam invertidos, eu era a caipira; É por que eu não era tão boa de conversar, nem sabia mais como fazer isso. Ele era esperto, colocou os livros encima da cadeira devagar e lentamente pra que eu não me assustasse pôs uma mão no meu ombro e perguntou se tava tudo bem; Não adiantou a sutileza, eu me assustei! Virei rápido pra frente, fazendo-o tirar a mão e me olhar assustado, nos olhamos igualmente. Os dois assustados, mas nada matava meu silêncio. Ele disfarçou:
- Então... Gosta de ler? – Ele se movimentou até a cadeira pegando os livros na mão e sentou-se. Permaneci em pé, assustada e muda.
- Tenho alguns do Machado de Assis, Clarice Lispector, é que eu prefiro os literários... - Eu também preferia os literários. Achei interessante, apesar de já ter lido todos que ele tinha as mãos. Ele continuou falando sobre livros, características dos autores, isso e aquilo. E eu apenas olhava-o falar, mas não escutava. O ser humano algo tão relativo. Era interessante o jeito dele querer se entrosar comigo, talvez tivesse ido pegar aqueles livros por indicação da minha mãe que sabe da minha paixão pela leitura. Mas não era qualquer um que perderia tempo caminhando até a vila razoavelmente distante só pra ter o que falar comigo. Sorri levemente, ele reparou e parou de falar. Fiquei séria, num gesto rápido entrei em casa e bati a porta. Dentro de casa respirei fundo e pensei na bobagem que tinha feito. Coitado! Eu o admirava, mas então porque tinha feito aquilo? Na prática nunca vou saber te dizer, só sei que não estava pronta pra ter amigos, conversar... Assim como fazem os adolescentes normais.
Minha mãe estava no escritório lendo uma papelada sobre a estufa. Fui até minha mãe no escritório, ela estava sentada na poltrona do vovô, lendo algumas coisas sobre a estufa.
- Mãe, onde eu vou estudar? – Perguntei ligeiramente querendo atenção.
- Olga, aqui não é o fim do mundo, existe uma escola. – Ela disse sorrindo, ainda olhando pros papéis.
- É embaixo de alguma árvore, e agente vai ter que riscar em pedras pra escrever? – Sorri também. Mas ela não gostou. Olhou pra mim séria e intimidadora.
- Vai conhecer sua escola assim que começarem as aulas daqui a duas semanas. Sua matrícula já está feita, não fique ‘anciosa’. – Ela estava debochando. Fiz biquinho e mudei de assunto.

- Mãe... Não tem nada pra fazer aqui!
Ela me olhou bem dentro dos meus olhos.
- O que tinha pra você fazer antes de vimos pra cá?
Realmente, ela estava certa. Na cidade eu também ficava em casa o dia todo; Às vezes lia um livro, ficava no computador, assistia a um filme. Mas ali era diferente, eu me sentia perdida. Dona Vânia entrou dizendo que o almoço estava pronto. Minha mãe perguntou se o Seu Paulo e o Manuel já estavam na mesa, eu olhei pra ela sem entender... Agente ia almoçar com eles por quê? Dona Marlene fez a pergunta.
- Há alguns anos eu e minha filha temos sentado à mesa sozinhas; Mas não sei por que continuar assim, já que vocês também moram aqui não é?
Sim. Dona Vânia e a família moravam numa pequena casa ao lado da nossa, eram como os ‘caseiros’. A velha empregada ficou sem jeito, disse que o falecido patrão nunca havia feito isso; Mas minha mãe, a nova patroa, dona Marlene, era uma mulher muito gentil e amorosa, fez questão que eles comessem conosco.
E lá estava eu na mesa quando o Manuel e Seu Paulo entraram e sentaram-se junto a nós. Seu Paulo sorriu me cumprimentando, já o Manuel só ficou me olhando com aquele ar de assunto inacabado. Minha mãe entrou com as bandejas, seguida por dona Vânia super sorridente. Sentaram-se a mesa, e daí minha mãe começou como sempre seu discurso do almoço:
- Bem, esse é o nosso primeiro almoço juntos. É lamentável que meu pai não esteja mais aqui entre nós, porém... Está em um lugar melhor, quero então antes de começar a comer fazer uma oração a Deus pela graça de estarmos reunidos aqui. Eu, minha filha, e a minha família que são vocês. – Dona Vânia sorriu e disse:
- Por que não pedimos a Olga para fazer a oração já que ela ainda não disse nada, não é querida? Olhou pra mim. E eu olhei ironicamente para minha mãe, que explicou:
- Olga não segui esses costumes religiosos – Todos me olharam com uma enorme interrogação - Eu mesma faço a oração. – Fechou os olhos e começou a orar. Todos fizeram o mesmo, menos eu.
Comemos, todos conversaram felizes. Fui a primeira a terminar. Levantei com o prato na mão, enquanto o lavava na cozinha o Manuel entrou. Comecei a achar que ele estava me perseguido e aquilo tava me irritando de verdade. Antes que eu o reagisse falou:
- Me desculpe por hoje de manhã, não sei o que fiz, mas... Foi mal! – Ele disse deixando o prato na pia e saiu pela porta da cozinha. O irritei com a minha atitude? Nada mal. Não queria conversa com ele mesmo.
Fui deitar um pouco. Eu estava me sentindo tão distante de mim, há tempos não sentia aquela sensação de querer alguém por perto. Justo agora que não havia ninguém. Senti-me mal pelo jeito que tratei o Manuel, ele era uma boa pessoa eu sei. Quis dormi, mas não consegui. Era de novo aquele cheiro mágico de rosa chegando. Não era possível um cheiro tão bom assim, me sentia bêbada com aquilo. Um dia ouvi um sábio homem dizer que cada cheiro era único. Comprovei naquele momento que essa era sem dúvida uma verdade bem dita. Você pode sentir daí? Deve poder, pois algo tão celestial seria injusto de permanecer apenas ao meu olfato. Era isso! Alguém mais devia estar sentindo. Corri pra varanda, não havia ninguém lá embaixo, e nenhuma roseira também. O cheiro aumentou, parecia me abraçar! Foi incrível. Tinha alguém me abraçando certamente. Quis correr, gritar, mas senti aquele calor de um abraço forte, de quem estava me esperando. E o abraço foi tão forte, que estive sufocada e fechei os olhos. O perfume estava irresistível. Eu não estava ali, viajei por alguns segundos, mas fui trazida a realidade quando alguém gritou lá de baixo: “- Hein você ta bem?” Abri meus olhos, como quem acabou de chegar de um tele transporte marciano. E mal acreditei! Não havia perfume. Não estava mais ali. Nem lembrei que alguém falou comigo, só queria saber como era possível um perfume tão extraordinário sumir sem deixar vestígios. Fiquei sem palavras. Algo estava errado comigo. Der repente, vários cheiros se misturaram, senti o perfume das folhas nas árvores, da grama, dos lençóis na cama, da cortina, senti o perfume do Manuel, sim era ele lá em baixo, tinha cheiro bom de sabonete, sabonete de Lavanda, todos os cheiros se confundiram e eu estava rodando; A náusea voltou, só que dessa vez não era o perfume misterioso de rosa, eram ‘todos’, absolutamente todos os cheiros de uma só vez. Coloquei a mão na cabeça, e me debrucei na varanda, ao mesmo tempo meus olhos tentavam captar de onde vinha cada cheiro, forte, doce, suave, todos vinham nos meus narizes de uma vez só. Ouvia lá longe o Manuel preocupado gritando por mim, devia estar nítido que eu não estava normal. Apertei forte minhas pálpebras a fim de que tudo parasse de rodar.
Ficou calmo. Um vento suave que bateu em mim tinha cheiro que serenidade. Você sabe qual o cheiro da serenidade? Eu te explico, pois essas coisas só saem de garotas como eu – Serenidade tem cheiro suave, fresco, de hortelã só que ainda mais fraco – Entendeu? Eu entendi naquele momento saindo da posição debruçada na janela e mantendo minha face para o horizonte verde; Manuel se calou, e ficou lá de baixo esperando alguma reação minha. Apenas um instante, o olhei calma e confusa. Queria várias respostas, mas ele só tinha perguntas pra me fazer. Continuei olhando fixamente pra ele.
- Acho que o que você precisa é andar um pouco... – Ele falou tentando sempre me ajudar;
Respirei fundo, acenei que sim com a cabeça. Ele permaneceu sério e falou:
- Vamos, te levo pra conhecer todo jardim!
Fiz que sim novamente com a cabeça, meio envergonhada. Aceitei por que dessa vez não havia alternativa, eu precisava sair do quarto, precisava mesmo andar um pouco. Quem sabe assim eu descobria o que estava havendo comigo. Só tinha certeza que tudo estava mudando.
Fui andando devagar até a frente da casa, onde o Manuel estava me esperando.
A tarde estava fria, mais fazia sol. Eu estava com um dos meus jeans mais antigos, uma camiseta vermelha, meu cabelo preto tão despenteado, tinha sorte em ter pouco cabelo porque nunca me importei em cuidar dele mesmo... Eu não era vaidosa. Não gostava de salão de beleza, nem de maquiagem, salto? Nem sabia como andar com um. Não que fosse desajeitada, só não dava a mínima pra essas futilidades da vida. No escuro todo mundo é igual mesmo.
E o Manuel? Bom, ele era um cara charmoso. Eu apenas respirava, mas sabia reparar nos garotos. Faz parte do instinto. Só que ele era o tipo de cara que toda menina quer como irmão. Nisso se resumia meu apreço por ele.
Paramos frente ao outro, cruzei os braços. Fomos andando devagar e calados. Estava apreensiva quanto ao que ele tinha visto na varanda. Talvez achasse que eu era louca...
Passamos o dia inteiro juntos. Ele me mostrou todo o jardim, cada canto especial para o meu avô. Tudo isso sem eu dar uma palavra. Tentou ser o mais agradável possível, e fez eu me sentir melhor até... Justamente como um irmão faria.
Vi coisas que não existia onde eu morava, toquei pela primeira vez em um girassol. Havia alguns espalhados no jardim. Já tinha ouvido tanto falar deles, mas nunca visto de perto. Toquei, senti o cheiro adentrar nas minhas aveias, fiquei confusa e não demonstrei. Manuel me olhava desconfiado tentando descobrir o que estava havendo comigo. Estava nítido que eu não estava em mim, mas era tão louco que nem eu mesma sabia explicar.
No final da tarde voltamos para casa, ele se despediu e ficou parado no fim dos degraus esperando educadamente que eu entrasse em casa. Fui subindo lentamente e muda como permaneci o dia inteiro. Mas ao tocar na maçaneta uma pergunta me veio na mente, e saiu automaticamente da minha boca:
- Não tem roseiras aqui? – Eu me virei rápido para olhá-lo responder, e vi quando ele corou. Pareceu surpreso não por me ver quebrar a lei do silêncio, mas sim pela minha pergunta. Notei seu nervosismo, e dessa forma soube claramente que existia algo que não podia me ser dito.
- Hãnm... Gosta de rosas? – Ele gaguejou, me sondando para descobrir o motivo da pergunta. Eu queria descobrir da onde vinha o cheiro enlouquecedor; Mas não ia dizer a verdade a ele, não agora.
- Sim... – Pensei em algo para convencê-lo – Deve haver alguma por aqui não é?
- Na verdade... Não; Não temos roseira aqui. – Ele abaixou os olhos, parecia perturbado. Eu ia falar, mas ele me interrompeu – Tenho que entrar, tchau! – E foi andando o mais depressa que podia.
Isso só fez com que meu desejo de descobri a causa daquele perfume aumentasse. Eu estava diferente, porque agora tudo parecia mais fácil de sentir. Estava na varanda, respirei fundo olhando a paisagem na minha frente e me concentrei. Num milésimo de segundos captei tudo a minha frente e seus cheiros, bons ou mal. A grana bem abaixo dos degraus, lá longe a porteira que dava acesso ao casarão, as oliveiras que se destacavam junto ao cercado, vários arbustos espalhados por todo visual, e o pôr-do-sol. Perfeitamente maravilhosa toda à vista, e também deliciosamente agradável de cheirar. Veio-me esse pensamento, mas logo depois me senti um cão farejador dei as costas e entrei.