segunda-feira, 30 de novembro de 2009

VI- A bruxa

Passaram-se os dias como água corrente deslizando enfurecidas ao mar. O grande mar aberto estava por vir. Onde eu ficaria sozinha e confusa no meio do tranquilo azul. Aquele lugar celestial era silencioso e farto, tinha tudo o que eu queria e precisava. Não me deu vontade de dormir, mas também não dava vontade de acordar. Eu só queria que passasse rápido, pra eu terminar o colégio e voltar pro meio de prédios e poluição que fazia eu morrer mais rápido, e ir pra perto do meu pai. Nada disso estaria acontecendo se ele estivesse vivo, ele jamais voltaria pra o fim do mundo. Mas a realidade estava aqui deitada na cama comigo!

Eram sete horas quando minha mãe veio me chamar, queria que eu fosse até a vila com ela, disse que eu precisava sair um pouco. Tudo bem, eu fui.

A vila era exatamente como eu imaginava, monotoma! Preenchida de velhos. Estavam em toda parte; Nos bancos da praça lendo jornal, nas barracas que vendiam cocada, nas vendinhas de frutas e verduras, e todos me olhavam torto. Deviam saber dos meus problemas com os seres humanos, ou então deduziram pela minha cara de poucos amigos. Já minha mãe não, era amistosa, conhecida por todos, onde chegava era cumprimentada muito bem. Senti a leve impressão de que todos a bajulavam, como se ela fosse uma grande celebridade, ou uma senhora de engenho, algo assim. E o mais engraçado era como a chamavam: Senhora Gonçalves. O nome do meu avô, ou melhor, o nome da nossa família.

Ela quiz entrar na igreja para cumprimentar o pastor. Na vila só havia uma igreja, era evangélica, todos tinham a mesma religião. Fiquei esperando sozinha enquanto ela falava com o pastor.

O sol estava escaldante o ar seco, parecia não chover a anos. Sentei ali mesmo na calçada da igreja, impaciente. Ouvi alguém dizer: - Então a solução chegou! É ela mesmo, e ele está com ela, eu sinto o cheiro... – Não olhei, apenas ouvi e ignorei. Mas a voz continuou a dizer coisa com coisa, e estava se aproximando. Olhei de lado e vi a aberração.

Tive um susto que me pos em pé em um milésimo de segundos. Aquela velha tinha uma verruga no nariz, cabelo grande e totalmente branco como a neve, ela estava com um lençol velho envolvendo-a como uma capa, e um cajado na mão. Minha nossa como fedia! Parecia ter saido do livro a convenção das bruxas. E seu olhar era tão profundo que parecia atravessar minha alma como uma espada; Eu estava com os pés entarrados no chão e qualquer palavra agressiva que queria sair da minha garganta simplesmente se trancou dentro de mim, como uma hipnóse eu a fitava. E ela continuou me rondando com os olhos, investigando cada centímetro. Parecia me conhecer, parecia estar me esperando.

- Vai sofrer como um cão sarneto sabia mocinha? Mas nunca vi tão forte. O que há com sua alma? Não consiguo enxergá-la. Porque há uma muralha em volta... – Agora seus olhos pararam no meu, e ela estava muito próxima. Não desviei meus olhos, mas sabia que as pessoas pararam para olhar, e sussurravam algo. Agora a voz dela aumentou, e declarou o que me pareceu a maior verdade de tudo:

- Mas elas caíram!-

Minha mãe estava saindo com o reverendo, e correu na minha direção.

- Vá embora Lurdis!!! Ela é só uma menina.

O Reverendo foi levando embora a velha bruxa que continuou gritando e predendo meus olhos aos dela mesmo de longe:

- Ele te protegerá incansavelmente como o rei e o seu tesouro, ele esteve te esperando. Você é a esperança! Restaurará as rosas, e elas ressuscitarão. Eu sei que pode sentir! Porque só você pode ver, e mais ninguém! Eles tentaram te enganar, como fizeram comigo... Mas não tema! Ele te protegerá.

E foi embora, levada por alguns homens chamados pelo pastor. Só depois que dobrou a rua e desapareceu, meus olhos cairam no chão, eu estava perplexa. O que foi isso? Milhares de perguntas surgiram rápido na minha mente. Minha mãe me abraçou aflita e disse que eu não devia me importar, Lurdis era uma velha doida. Morava nas ruas desde muito tempo, e anda dizendo que ‘vê coisas’. Ela sempre faz isso, não tem importância. Fiquei mais calma. O reverendo voltou.

- Desculpe pela Lurdis querida. Ela anda ainda mais atormentada esses dias do que de costume.

Agora estava sentada no gabinete do Pastor Paulo, ele devia ter por volta dos seus 34 anos, a mesma idade de minha mãe, era um homem bastante simpático, e inteligente, tinha uma resposta pra quase tudo, mais o que sempre me chamou atenção para ele foi o seu humanismo, sim ele era completamente humano, diferente dos pastores da minha cidade, todos arrogantes, cheios de si, se achavam o dono da verdade. Ele me trouxe um copo de água, eu não devia estar com a cara muito boa porque minha mãe parecia bastante aflita enquanto alisava sem parar a mecha presa do meu cabelo. O reverendo continuou dizendo que Lurdis sempre fazia isso com as pessoas, que eu não me importasse com isso. Não disse nada sobre Deus. Bom, todos já deviam saber. Eu devia ser a única descrente no lugar, e isso explicava os olhares tortos em minha direção.

Voltamos imediatamente pra casa, estava anoitecendo lentamente na estrada mas já fazia frio. Aquele lugar estoteante nos fazia torrar durante o dia, e nos transformava em pequenos cubos de gelo durante a noite; Mas quanto a isso eu já estava apta. O que ia fundo no meu coração era a falta de coisa que ocupasse minha mente. Sem nada pra pensar, só me vinha meu pai em mente. Seu rosto pálido no caixão, eu vi depressa porque logo me tiraram da sala escoltada. Meus gritos secos o chamando. Eu era tão nova, mas não chorei.

Quando deitei na cama e fechei os olhos de imediato dormir.

Naquela noite gelada e sem estrelas, sonhei com a velha bruxa. Um sonho onde as falas hipnotizantes se repetiam sem parar, e foram assim todas as suas noites até o fim daquele mês. Deitava, dormia e sonhava com a bruxa e sua ‘profecia’.

Nenhum comentário:

Postar um comentário