domingo, 18 de outubro de 2009

V- De flor em flor

O céu na ilha das flores era diferente dos outros céus. Era azul até demais, as nuvens pareciam de mentira. Fiquei um bom tempo olhando pra ela dá varanda assim que acordei. Quando entrei novamente no quarto, tudo estava com um cheiro irresistível de rosa. Não estava assim antes, fiquei confusa. Porque era essência de perfume, como se alguém estivesse ali naquele momento. E estava forte insuportavelmente. Entrei no banheiro, abri o guarda-roupa, olhei atrás das cortinas e nada. Começou então a ficar ainda mais sério, pois senti náusea com aquele cheiro penetrando no meu olfato. Sentei na cama com a mão na cabeça. Tudo começou a rodar e isso durou uns dez segundos. Até que aquele misterioso cheiro de rosa começou a ir embora, da mesma forma a náusea também. Deitei na cama com olhos fechados, e quando abri de novo já não havia nenhum vestígio do que aconteceu, assim como se o cheiro nunca tivesse estado ali. Olhei automaticamente pra varanda, e as cortinas estavam balançando com o vento, tudo ficou calmo, tinha algo diferente em mim. Só não sei te explicar direito o que era. Meu olhar pra varanda foi como quem procura por algo que tinha ido embora por ali, eu só não sei o quê ou quem. O perfume me deixou doente, mas era viciante e bateu uma enorme vontade de senti-lo mais uma vez. Engoli o seco, levantei atordoada e sai.
Minha mãe estava recebendo visita, foi uma surpresa tanto pra mim quanto para ela. Doutor Cleyton, o velho médico da cidade que cuidou de meu avô até o último suspiro, levantou-se pra me cumprimentar. Fiquei sem jeito e o olhei estranhando sua presença. Minha mãe disse quem era e pediu pra eu cumprimentá-lo, não quis deixar o pobre doutor com a mão estendida e apertei-a, depois dei as costas e sai. Deixando-o com uma péssima impressão de mim, assim ele já ia logo ficando informado sobre meu jeito todo especial de ser. Mas tarde fiquei sabendo que ele tinha ido dá as boas-vindas a minha mãe, falar da doença de meu avô, enfim, disse que ela podia contar com ele pro que precisasse. Era um homem de meia idade, elegante, e me pareceu bastante ríspido. Conhecia minha mãe também desde pequena, era antigo e respeitado na cidade, tinha dois filhos, Bianca e Bruno, e sugeriu a minha mãe de mandá-los passar aqui depois pra me conhecer, quem sabe assim eu me entrosasse mais... Estúpido! Estava presa em mim, e gostava da prisão, não queria sair com nenhum caipira babaca e sua irmã ingênua. Pelo menos era essa minha idéia dos jovens interiorizados. Mais tarde ele se foi, não ficou pro almoço estava só de passagem.
Passei toda manhã sentada na varanda olhando o lugar, muitas pessoas passaram, provavelmente indo pra estufa.
Eram mais ou menos umas onze horas quando o Manuel atravessou o portão principal carregando vários livros na mão, olhou pra mim e sorriu mesmo de longe. Virei o rosto fingindo que não o tinha visto. Mesmo disfarçando vi que ele estava vindo em direção a varanda pra falar comigo, levantei e já ia entrando quando ele falou:
- Oi, você já vai entrar? – Eu estava de costa, com a mão na maçaneta, fiquei surpresa por ele ter falado comigo. Naquela altura qualquer um já teria percebido que eu não tava a fim de papo. Tinha duas escolhas a fazer: entrar ou responder a pergunta. Normalmente eu iria ignorá-lo, mas nesse caso seria uma tremenda desfeita já que nem o conhecia. Também não chegava a ser tão mal-educada assim; Pensei rápido e decidi falar qualquer coisa e entrar logo. Ainda estava de costa quando murmurei um “Hãnm...”, ele disse subindo os degraus:
- Fui até a vila pegar uns livros na biblioteca, você gosta de ler? – Continuei calada e de costas. Agora os papéis estavam invertidos, eu era a caipira; É por que eu não era tão boa de conversar, nem sabia mais como fazer isso. Ele era esperto, colocou os livros encima da cadeira devagar e lentamente pra que eu não me assustasse pôs uma mão no meu ombro e perguntou se tava tudo bem; Não adiantou a sutileza, eu me assustei! Virei rápido pra frente, fazendo-o tirar a mão e me olhar assustado, nos olhamos igualmente. Os dois assustados, mas nada matava meu silêncio. Ele disfarçou:
- Então... Gosta de ler? – Ele se movimentou até a cadeira pegando os livros na mão e sentou-se. Permaneci em pé, assustada e muda.
- Tenho alguns do Machado de Assis, Clarice Lispector, é que eu prefiro os literários... - Eu também preferia os literários. Achei interessante, apesar de já ter lido todos que ele tinha as mãos. Ele continuou falando sobre livros, características dos autores, isso e aquilo. E eu apenas olhava-o falar, mas não escutava. O ser humano algo tão relativo. Era interessante o jeito dele querer se entrosar comigo, talvez tivesse ido pegar aqueles livros por indicação da minha mãe que sabe da minha paixão pela leitura. Mas não era qualquer um que perderia tempo caminhando até a vila razoavelmente distante só pra ter o que falar comigo. Sorri levemente, ele reparou e parou de falar. Fiquei séria, num gesto rápido entrei em casa e bati a porta. Dentro de casa respirei fundo e pensei na bobagem que tinha feito. Coitado! Eu o admirava, mas então porque tinha feito aquilo? Na prática nunca vou saber te dizer, só sei que não estava pronta pra ter amigos, conversar... Assim como fazem os adolescentes normais.
Minha mãe estava no escritório lendo uma papelada sobre a estufa. Fui até minha mãe no escritório, ela estava sentada na poltrona do vovô, lendo algumas coisas sobre a estufa.
- Mãe, onde eu vou estudar? – Perguntei ligeiramente querendo atenção.
- Olga, aqui não é o fim do mundo, existe uma escola. – Ela disse sorrindo, ainda olhando pros papéis.
- É embaixo de alguma árvore, e agente vai ter que riscar em pedras pra escrever? – Sorri também. Mas ela não gostou. Olhou pra mim séria e intimidadora.
- Vai conhecer sua escola assim que começarem as aulas daqui a duas semanas. Sua matrícula já está feita, não fique ‘anciosa’. – Ela estava debochando. Fiz biquinho e mudei de assunto.

- Mãe... Não tem nada pra fazer aqui!
Ela me olhou bem dentro dos meus olhos.
- O que tinha pra você fazer antes de vimos pra cá?
Realmente, ela estava certa. Na cidade eu também ficava em casa o dia todo; Às vezes lia um livro, ficava no computador, assistia a um filme. Mas ali era diferente, eu me sentia perdida. Dona Vânia entrou dizendo que o almoço estava pronto. Minha mãe perguntou se o Seu Paulo e o Manuel já estavam na mesa, eu olhei pra ela sem entender... Agente ia almoçar com eles por quê? Dona Marlene fez a pergunta.
- Há alguns anos eu e minha filha temos sentado à mesa sozinhas; Mas não sei por que continuar assim, já que vocês também moram aqui não é?
Sim. Dona Vânia e a família moravam numa pequena casa ao lado da nossa, eram como os ‘caseiros’. A velha empregada ficou sem jeito, disse que o falecido patrão nunca havia feito isso; Mas minha mãe, a nova patroa, dona Marlene, era uma mulher muito gentil e amorosa, fez questão que eles comessem conosco.
E lá estava eu na mesa quando o Manuel e Seu Paulo entraram e sentaram-se junto a nós. Seu Paulo sorriu me cumprimentando, já o Manuel só ficou me olhando com aquele ar de assunto inacabado. Minha mãe entrou com as bandejas, seguida por dona Vânia super sorridente. Sentaram-se a mesa, e daí minha mãe começou como sempre seu discurso do almoço:
- Bem, esse é o nosso primeiro almoço juntos. É lamentável que meu pai não esteja mais aqui entre nós, porém... Está em um lugar melhor, quero então antes de começar a comer fazer uma oração a Deus pela graça de estarmos reunidos aqui. Eu, minha filha, e a minha família que são vocês. – Dona Vânia sorriu e disse:
- Por que não pedimos a Olga para fazer a oração já que ela ainda não disse nada, não é querida? Olhou pra mim. E eu olhei ironicamente para minha mãe, que explicou:
- Olga não segui esses costumes religiosos – Todos me olharam com uma enorme interrogação - Eu mesma faço a oração. – Fechou os olhos e começou a orar. Todos fizeram o mesmo, menos eu.
Comemos, todos conversaram felizes. Fui a primeira a terminar. Levantei com o prato na mão, enquanto o lavava na cozinha o Manuel entrou. Comecei a achar que ele estava me perseguido e aquilo tava me irritando de verdade. Antes que eu o reagisse falou:
- Me desculpe por hoje de manhã, não sei o que fiz, mas... Foi mal! – Ele disse deixando o prato na pia e saiu pela porta da cozinha. O irritei com a minha atitude? Nada mal. Não queria conversa com ele mesmo.
Fui deitar um pouco. Eu estava me sentindo tão distante de mim, há tempos não sentia aquela sensação de querer alguém por perto. Justo agora que não havia ninguém. Senti-me mal pelo jeito que tratei o Manuel, ele era uma boa pessoa eu sei. Quis dormi, mas não consegui. Era de novo aquele cheiro mágico de rosa chegando. Não era possível um cheiro tão bom assim, me sentia bêbada com aquilo. Um dia ouvi um sábio homem dizer que cada cheiro era único. Comprovei naquele momento que essa era sem dúvida uma verdade bem dita. Você pode sentir daí? Deve poder, pois algo tão celestial seria injusto de permanecer apenas ao meu olfato. Era isso! Alguém mais devia estar sentindo. Corri pra varanda, não havia ninguém lá embaixo, e nenhuma roseira também. O cheiro aumentou, parecia me abraçar! Foi incrível. Tinha alguém me abraçando certamente. Quis correr, gritar, mas senti aquele calor de um abraço forte, de quem estava me esperando. E o abraço foi tão forte, que estive sufocada e fechei os olhos. O perfume estava irresistível. Eu não estava ali, viajei por alguns segundos, mas fui trazida a realidade quando alguém gritou lá de baixo: “- Hein você ta bem?” Abri meus olhos, como quem acabou de chegar de um tele transporte marciano. E mal acreditei! Não havia perfume. Não estava mais ali. Nem lembrei que alguém falou comigo, só queria saber como era possível um perfume tão extraordinário sumir sem deixar vestígios. Fiquei sem palavras. Algo estava errado comigo. Der repente, vários cheiros se misturaram, senti o perfume das folhas nas árvores, da grama, dos lençóis na cama, da cortina, senti o perfume do Manuel, sim era ele lá em baixo, tinha cheiro bom de sabonete, sabonete de Lavanda, todos os cheiros se confundiram e eu estava rodando; A náusea voltou, só que dessa vez não era o perfume misterioso de rosa, eram ‘todos’, absolutamente todos os cheiros de uma só vez. Coloquei a mão na cabeça, e me debrucei na varanda, ao mesmo tempo meus olhos tentavam captar de onde vinha cada cheiro, forte, doce, suave, todos vinham nos meus narizes de uma vez só. Ouvia lá longe o Manuel preocupado gritando por mim, devia estar nítido que eu não estava normal. Apertei forte minhas pálpebras a fim de que tudo parasse de rodar.
Ficou calmo. Um vento suave que bateu em mim tinha cheiro que serenidade. Você sabe qual o cheiro da serenidade? Eu te explico, pois essas coisas só saem de garotas como eu – Serenidade tem cheiro suave, fresco, de hortelã só que ainda mais fraco – Entendeu? Eu entendi naquele momento saindo da posição debruçada na janela e mantendo minha face para o horizonte verde; Manuel se calou, e ficou lá de baixo esperando alguma reação minha. Apenas um instante, o olhei calma e confusa. Queria várias respostas, mas ele só tinha perguntas pra me fazer. Continuei olhando fixamente pra ele.
- Acho que o que você precisa é andar um pouco... – Ele falou tentando sempre me ajudar;
Respirei fundo, acenei que sim com a cabeça. Ele permaneceu sério e falou:
- Vamos, te levo pra conhecer todo jardim!
Fiz que sim novamente com a cabeça, meio envergonhada. Aceitei por que dessa vez não havia alternativa, eu precisava sair do quarto, precisava mesmo andar um pouco. Quem sabe assim eu descobria o que estava havendo comigo. Só tinha certeza que tudo estava mudando.
Fui andando devagar até a frente da casa, onde o Manuel estava me esperando.
A tarde estava fria, mais fazia sol. Eu estava com um dos meus jeans mais antigos, uma camiseta vermelha, meu cabelo preto tão despenteado, tinha sorte em ter pouco cabelo porque nunca me importei em cuidar dele mesmo... Eu não era vaidosa. Não gostava de salão de beleza, nem de maquiagem, salto? Nem sabia como andar com um. Não que fosse desajeitada, só não dava a mínima pra essas futilidades da vida. No escuro todo mundo é igual mesmo.
E o Manuel? Bom, ele era um cara charmoso. Eu apenas respirava, mas sabia reparar nos garotos. Faz parte do instinto. Só que ele era o tipo de cara que toda menina quer como irmão. Nisso se resumia meu apreço por ele.
Paramos frente ao outro, cruzei os braços. Fomos andando devagar e calados. Estava apreensiva quanto ao que ele tinha visto na varanda. Talvez achasse que eu era louca...
Passamos o dia inteiro juntos. Ele me mostrou todo o jardim, cada canto especial para o meu avô. Tudo isso sem eu dar uma palavra. Tentou ser o mais agradável possível, e fez eu me sentir melhor até... Justamente como um irmão faria.
Vi coisas que não existia onde eu morava, toquei pela primeira vez em um girassol. Havia alguns espalhados no jardim. Já tinha ouvido tanto falar deles, mas nunca visto de perto. Toquei, senti o cheiro adentrar nas minhas aveias, fiquei confusa e não demonstrei. Manuel me olhava desconfiado tentando descobrir o que estava havendo comigo. Estava nítido que eu não estava em mim, mas era tão louco que nem eu mesma sabia explicar.
No final da tarde voltamos para casa, ele se despediu e ficou parado no fim dos degraus esperando educadamente que eu entrasse em casa. Fui subindo lentamente e muda como permaneci o dia inteiro. Mas ao tocar na maçaneta uma pergunta me veio na mente, e saiu automaticamente da minha boca:
- Não tem roseiras aqui? – Eu me virei rápido para olhá-lo responder, e vi quando ele corou. Pareceu surpreso não por me ver quebrar a lei do silêncio, mas sim pela minha pergunta. Notei seu nervosismo, e dessa forma soube claramente que existia algo que não podia me ser dito.
- Hãnm... Gosta de rosas? – Ele gaguejou, me sondando para descobrir o motivo da pergunta. Eu queria descobrir da onde vinha o cheiro enlouquecedor; Mas não ia dizer a verdade a ele, não agora.
- Sim... – Pensei em algo para convencê-lo – Deve haver alguma por aqui não é?
- Na verdade... Não; Não temos roseira aqui. – Ele abaixou os olhos, parecia perturbado. Eu ia falar, mas ele me interrompeu – Tenho que entrar, tchau! – E foi andando o mais depressa que podia.
Isso só fez com que meu desejo de descobri a causa daquele perfume aumentasse. Eu estava diferente, porque agora tudo parecia mais fácil de sentir. Estava na varanda, respirei fundo olhando a paisagem na minha frente e me concentrei. Num milésimo de segundos captei tudo a minha frente e seus cheiros, bons ou mal. A grana bem abaixo dos degraus, lá longe a porteira que dava acesso ao casarão, as oliveiras que se destacavam junto ao cercado, vários arbustos espalhados por todo visual, e o pôr-do-sol. Perfeitamente maravilhosa toda à vista, e também deliciosamente agradável de cheirar. Veio-me esse pensamento, mas logo depois me senti um cão farejador dei as costas e entrei.

IV- A herança

Quando desci do carro e me deparei com aquela casa eu quase cai pra trás. Era o paraíso! Como poderei descrever? Era uma mansão enorme. Meus olhos fitaram de cara a varanda no primeiro andar, que ficava bem em frente a todo o jardim.
- Aquele com certeza vai ser o meu quarto! – Eu disse provocando o sorriso da minha mãe. Uma simpática senhora correu pra abraça-la, e junto dela vinham um senhor e um garoto com mais ou menos a minha idade que ficou olhando para mim. O abraço da minha mãe e da senhora foi como de mãe e filha, as duas estavam com lágrimas nos olhos.
- Minha filha por onde você andou...? – Ela disse segurando o rosto de minha mãe e fitando-a bem de perto. Minha mãe abaixou a cabeça e abraçou-a chorando. Fiquei no mesmo lugar que estava até que ela me chamou e disse:
- Olga essa é a Dona Vânia a mulher que falou com você no telefone. Você sabe que minha mãe morreu no meu parto, desde então essa mulher aqui se tornou a mãe que eu nunca tive. Cumprimente-a. -
A senhora que se chamava Dona Vânia veio e me abraçou, um abraço forte como eu nunca havia sentindo e sorriu. Disse que estava ansiosa pra me conhecer, chamou seu marido e filho pra vir falar comigo. O marido era o Seu Paulo, um senhor carismático, baixinho, com uma barbinha rala, parecia ser uma boa pessoa, e o filho que era o garoto me olhando chamava-se Manuel, tinha 18 anos, era bonito, alto, usava óculos, foi um pouco acanhado comigo como se nunca tivesse visto uma garota antes. Fiquei calada o tempo todo, eu era assim. Inibida ou se preferir antipática. Não gosto de estranhos, nem de pessoas, elas são más e fingidas, tenho me afastado até da minha mãe.
Entramos na casa. Linda! Toda forrada em madeira, com objetos antigos e caros, muito bem dividida. Uma sala enorme, escritório, sala de janta, cozinha, isso tudo só no térreo. Em comparação com nossa antiga casa, era um castelo. Dona Vânia fazia de tudo pra que nos sentíssemos confortáveis, falou que tinha deixado tudo como estava desde que meu avô morreu. Que gentil ela era. Assim que abriu a porta do meu quarto eu gelei. Era lindo, ainda mais enorme que o outro. E a varanda nossa... Que paisagem maravilhosa. Tudo verde, não tinha uma só coisa que atrapalhasse aquela visão. Fiquei encantada em silêncio.
Logo nos levaram pra conhecer a fonte de toda a riqueza. A estufa onde meu avô trabalhava ficava afastada da casa, mas caminhando logo chegamos lá. Toda a vila dependia das flores que meu avô exportava para as cidades maiores, era um comércio mantido por nossa família desde a época do meu bisavô. Não entendia o porque saber daquilo só agora, mas estava tão surpresa que não havia espaço para as perguntas e respostas. Era lindo demais aquele galpão enorme, com aquelas pessoas trabalhando. Meu avô não era milionário como você provavelmente deve estar pensando, ele conseguiu juntar bastante dinheiro que o permitisse ter uma boa vida, só isso. Agora minha mãe era a única pessoa que poderia dar continuidade ao trabalho. Tios, primos, parentes? Não havia nenhum... Verdade! Meu avô teve apenas um irmão que morrera quando minha mãe ainda era adolescente, meu avô nunca quis saber de mais ninguém depois que a esposa morreu no parto. Pelo menos até onde eu fiquei sabendo;
Pela noite foi que me dei conta que estava no fim do mundo literalmente. Não tinha vizinhos, nem lanchonetes, nada por perto muito menos shopping pra dá uma conferida nos filmes. Se eu já era sozinha dessa vez iria morrer de tédio. Estava na cozinha vendo minha mãe e dona Vânia prepararem a janta, entediada com aquela conversa de gente velha.
- Não falou nada desde que chegou querida – Era a dona Vânia querendo me entrosar mais uma vez. Permaneci calada, levantei e sai.
Minha mãe deve ter ficado péssima com a minha atitude, mas é de se esperar. Ela me conhecia o bastante pra saber que não é de mim ‘falar’.
Fui pro meu novo quarto. Enfim sozinha, sentei na cama pra dá um tempo antes de começar a pôr as roupas no novo guarda-roupa... Mas quando vi, já era de manhã.

III – A mudança

Nunca tinha notado o quanto meu quarto é enorme. Agora que ele to totalmente vazio, deu pra ver. Na há mais nada colado na parede, nem meias pelo chão, vendi todos os móveis. Minha mãe falou que lá já tem tudo o que precisamos. Então vendi, e coloquei o dinheiro na caixinha do supermercado pra ajudar os funcionários. Tenho esse costume, o que sobrou de tudo que aprendi enquanto ia à igreja com minha mãe. Tempos passados.
Só fui levando mesmo minhas roupas, objetos pessoais, e meus livros. Não deixei nada pra traz; Nem amigos... Não os tinha desde os treze anos. O motivo você já sabe.
Foram 6 horas de viagem, nada pra ver no caminho só mato. Até que chegamos ao “Bem-vindo à ilha das Flores”. Esse era o nome do lugar, sorri ironicamente porque ainda não tava acreditando nisso. Mas finalmente entendi porque minha mãe tinha saído daquele lugar. Era úmido, cheirava a estrume e nem era asfaltado ainda. Dá pra imaginar? Estávamos indo numa estrada de terra! Flores tinham demais, daí a explicação pra “ilha das flores”, havia borboletas em todos os lugares, não deu pra ver a extensão do lugar porque as árvores cobriam tudo de um lado a outro; Então a estrada de terra acabou, e eu vi uma praça pequena, várias barracas dessas que as velhas vendem pipoca e pirulito; As pessoas olhavam pra nós como se já soubessem que íamos chegar. Pareciam me conhecer, não gostei da exibição e fingi que não era comigo, logo entramos numa rua novamente cercada por árvores...
- Cansei de só ver árvores e mais árvores. Não vamos chegar nunca? – Perguntei enquanto ligava meu IPOD pra me distrair.
- Já chegamos querida; Essas terras são todas do seu avô – Arregalei os olhos quando ela disse isso. Queria perguntar por que eu nunca soube disso, mas deduzi a resposta pelos olhos da minha mãe. Ela não gostava daquela riqueza por algum motivo.
Suspirei, e continuei olhando a minha herança pela janela.